PORTUGAL DÁ CARTAS NA POESIA

E assim foi com o meu estimado amigo, o poeta Alberto Pereira (que eu arrisco aqui a dizer que, provavelmente, não demorará muito a ser reconhecido como dos melhores poetas vivos do nosso país), em mais um concurso internacional de poesia, o 1º Prêmio Sepé Tiaraju de Poesia Ibero-Americana, onde estiveram a concurso 3027 obras, provenientes de 26 países. O Alberto partilhou o pódio, num honroso 3º lugar, com mais um português, Luís de Aguiar, e o chileno Nicolas Diaz Badilla, ficando estes no 2º e 1º lugares, respectivamente.
E agora, pergunto ao senhor José António Pinto Ribeiro (para quem não saiba, é o, ainda, ministro da cultura, aquele que andou por ali a passear pelo executivo anterior sem nunca perceber porque ali estava) se tem conhecimento desta proeza e de outras que vão acontecendo por esse mundo fora? Claro que não sabe, logo agora que andará muito preocupado em saber se o seu patrão o vai despedir ou não! Deixando para trás a incompetência, e para quem gosta de poesia, deixo aqui as obras de AlbertoPereira que estiveram a concurso.
AFINADOR DE NUVENS
Passo as horas a afinar nuvens,
a ouvir-te trovejar nas veias.
Desde que me embargaste o corpo
com a tempestade,
nunca mais me aproximei de mim.
O céu ficou senil,
gesticula apenas uma miserável nódoa de paraíso
onde componho sinfonias com veneno.
A cabeça estremece,
tenho a memória raptada por sonetos indígenas.
Esfuziante o teu rosto desarruma o ódio.
Atravesso a pólvora, estrangulo o nevoeiro.
Na leveza do silêncio a garganta dorme.
A peregrinação de cactos
nunca impediu nada.
E ali estás tu,
o catálogo de precipícios
que não esqueço.
O coração é um relâmpago
a legendar cicatrizes.
....................
CREPÚSCULO NÚ
Nasci louco, fui perdendo o corpo no manejo dos anos.
A terra não vigiava os passos,
falavam desse mar invertido calafetado sobre as cabeças.
Depois encostaram adultos aos brinquedos
e estes ficaram amargos.
Mataram-me as lendas nos olhos
quando os dias degolaram a inocência.
Apenas conhecia a mitologia de quatro paredes.
Cá fora os homens reivindicando o inferno,
sujos, cambaleantes, pulverizando nódoas.
As mulheres varrendo desejos,
organizando o idioma decimal da solidão.
Encostadas às esquinas, as crianças vazias
a ensinar a corrupção à memória.
Falavam das namoradas que nunca conheceram,
amavam-nas loucamente nas revistas que não sabiam decifrar.
Tinham as imagens, o rumor pueril no adro do olhar.
Passeavam pelo magnetismo, convictos que no fundo do abismo
a transparência respiraria a sua voz.
Olham agora para trás,
espiam o sangue que coxeia no coração.
Escoa-se como um touro ferido tombado nos ventrículos.
Há já mais poeira do que cor, pergunta-se até,
para quê sangue se rezar nos pulmões não parou a névoa.
O futuro são cães a morder relâmpagos.
CREPÚSCULO NÚ
Nasci louco, fui perdendo o corpo no manejo dos anos.
A terra não vigiava os passos,
falavam desse mar invertido calafetado sobre as cabeças.
Depois encostaram adultos aos brinquedos
e estes ficaram amargos.
Mataram-me as lendas nos olhos
quando os dias degolaram a inocência.
Apenas conhecia a mitologia de quatro paredes.
Cá fora os homens reivindicando o inferno,
sujos, cambaleantes, pulverizando nódoas.
As mulheres varrendo desejos,
organizando o idioma decimal da solidão.
Encostadas às esquinas, as crianças vazias
a ensinar a corrupção à memória.
Falavam das namoradas que nunca conheceram,
amavam-nas loucamente nas revistas que não sabiam decifrar.
Tinham as imagens, o rumor pueril no adro do olhar.
Passeavam pelo magnetismo, convictos que no fundo do abismo
a transparência respiraria a sua voz.
Olham agora para trás,
espiam o sangue que coxeia no coração.
Escoa-se como um touro ferido tombado nos ventrículos.
Há já mais poeira do que cor, pergunta-se até,
para quê sangue se rezar nos pulmões não parou a névoa.
O futuro são cães a morder relâmpagos.
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IMPOSSÍVEL
Chegar a ti, impossível.
As manhãs já não dizem tempo,
só o silêncio sabe o teu corpo inteiro.
Escorrego por cada palavra,
convenço a pele que não morreste.
Imagino-te ainda como se o sangue
pudesse adormecer.
Eu digo,
o sonho é ouro desavindo,
uma tocha louca no coração afogado.
As manhãs já não dizem tempo,
a mocidade das coisas
dança na peregrinação da distância.
Há beijos inebriados
que procuram a memória,
como se ontem não fosse noite.
Tenho os olhos rachados
pela obesidade das lágrimas,
são tantas as que despenteiam a ilusão.
Talvez nunca seja sempre,
por isso parto.
IMPOSSÍVEL
Chegar a ti, impossível.
As manhãs já não dizem tempo,
só o silêncio sabe o teu corpo inteiro.
Escorrego por cada palavra,
convenço a pele que não morreste.
Imagino-te ainda como se o sangue
pudesse adormecer.
Eu digo,
o sonho é ouro desavindo,
uma tocha louca no coração afogado.
As manhãs já não dizem tempo,
a mocidade das coisas
dança na peregrinação da distância.
Há beijos inebriados
que procuram a memória,
como se ontem não fosse noite.
Tenho os olhos rachados
pela obesidade das lágrimas,
são tantas as que despenteiam a ilusão.
Talvez nunca seja sempre,
por isso parto.
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